segunda-feira, 14 de março de 2016

A loucura como fuga da morte

O prazer de ler Hamlet em sua beleza de loucura a serviço da verdade, de sua verdade, é algo que me sinto impelido como o próprio Freud o sentiu e relatou. Pois era tanto o gosto pela obra que, ao fim da vida, Freud duvidou que um ex-ator mediano teria escrito tamanha obra sobre a alma humana na virada do século XV para o XVI. Para o próprio Freud, segundo seus escritos e troca de cartas, a obra é tão densa e sofisticada que "seria incapaz que não fosse alguém com uma cultura mais elaborada o tivesse feito". Não sei se até mesmo o pai da psicanálise, um homem que tanto fez para além do seu tempo tenha cometido aí o deslize de comentar algo que não enxergue que há inspiração e talentos que podem ser desenvolvidos pelos, digamos, "homens do povo".

Não aceitações à parte, o fato é que a peça é de uma singularidade expressiva da relação humana como ser social, precipitado por sua conduta pessoal, por uma dor íntima, da perda do pai e o encontro com este fantasma que clama por vingança. A partir desse pedido, o jovem príncipe da Dinamarca submerge em uma loucura calculada. O que dizer dessa patologia da mente, essa psicose que acaba por preservar Hamlet enquanto ele mergulha em direção à verdade? A partir daqui faço um paralelo com a questão da loucura e do quanto ela é salutar para a preservação da ordem física. Quantos corpos, ao não se permitirem mais caminhar na insanidade de vidas levadas à beira de abismos sombrios, acabam cindindo para ao menos serem preservados.

A bem da verdade, o ápice fica a cargo do famoso monólogo, quando prestes a encontrar sua noiva Ofélia, Hamlet declama em versos uma realidade à qual nos empenhamos a negar, muitas vezes até preferindo a loucura. Muitas vezes o colapso de nosso corpo é o que nos salva, como um dia me salvou e no início pareceu loucura, mas era vida. Como fez Shakespeare, com seu jovem e sofrido príncipe. Um homem, que apesar de ser príncipe, pode ser qualquer um de nós.

"Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a vida fatigante,
Se o receio de alguma coisa após a morte,
–Essa região desconhecida cujas raias
Jamais viajante algum atravessou de volta –
Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?
O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão
Com o tom pálido e enfermo da melancolia"

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Para além de Lennon e Mccartney



Parte de mim é raiva, desejo de agressão
Meu corpo acusa isso, sempre foi assim.
Mas é algo insustentável perante meu ego, tão frágil e maltrapilho.

Perder-se uma noite de sono, devido às crises existenciais...
Quanto tempo não cometo essa tolice?
Mas hoje está melhor, me parece melhor
Um dia perfeito para tomar decisões.

A noite parece ser perfeita para esse tipo de coisa
Como ela é calma e cabe tanto nela, que é ela, a noite, que recebe os mais estapafúrdios desejos
É ela quem recebe os sonhos, o do sono e o do virar constante na cama, feito um frango de padaria

A cabeça parece que vai explodir
No fundo é uma vontade não satisfeita, um desejo não cumprido
Que só cabe dentro da noite as suas resoluções
Dinheiro, amor, raiva, crise, perdão, compaixão – tudo cabe nesta noite

E nesse monólogo simples, de um alguém que, como milhares de outros, se atreve a escrever
Como se fosse verdadeiramente algo importante para caber no mundo
Mas para mim, chega de não se dar a importância
Pois tudo o que sinto é tão enorme, que só caberia nessa noite, nesse mundo todo

São demais os perigos dessa vida, avisa o poetinha
E no vai e vem do dia e dos carros, da fumaça, da mordaça
Somente à noite, é que pode-se ser realmente quem somos
Ter um lugar para tudo aquilo que não cabe dentro de nós de dia

É o abismo rumo à escuridão do inferno dentro de nós
É onde vive o diabo que nos atormenta e que vem nos visitar
Passamos o dia como a não notar ele à espreita, mas à noite não tem jeito
Ele está lá, parado, a me atormentar desde os meus tempos de criança
Talvez seja ele essa raiva e inconformidade presa e contida, querendo mandar tudo para longe

Muitas vezes, o ódio me visita, em forma de diabo, querendo tocar fogo à minha vida
Mas só para quem vê um pouco além da alma comum é que sabe o quanto se tem dentro de nós
Mas insistimos com essa conformidade.

Mas agora, o mundo lá fora grita e nós continuamos a nos aprisionar, como um Hamlet, príncipe da Dinamarca um dia falou, sobre o lance de que resolvemos sempre não nos atirar ao punhal, temendo o desconhecido da morte, tendo a vida de misérias que não escolhemos, deixando o mundo decidir por nós.

A perambular como um miserável, à mercê dessa dor, por não exaltar o incerto e a dúvida
E o que é a vida? Covardia? Talvez seja. Então por que eu me conformo?
Vá à merda com tudo!
Talvez eu só precise de um pouco mais de ar para respirar.

Tentei encontrar alento e companhia, mas não por ser inalcançável, mas talvez por querer quase se atirar ao punhal.
E o que é a vida, senão atirar-se no punhal e ir para o incerto?
Mas agora, quem passa por mim na rua é o Esteves,
O Esteves sem a metafísica, um cidadão de bem, que só quer salvar o mundo
Empreender talvez, pensa Esteves, para “fazer um mundo melhor”, talvez inventando um aplicativo ou um site que “faça o bem”
Ademais, Esteves era desses. Cidadão comum, falava de negócios, ria via show de mulher nua
Vivia o dia e não o sol, a noite não a lua

Mas eu insisto, mesmo vendo o prosperar do Esteves em seus empreendimentos – sem metafísica.

Eu insisto em ainda ter dentro de mim essa raiva, que talvez seja um pouco de todos os sonhos do mundo. 

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A menina e o desenho


Ela se esparrama pelo chão, como toda criança, ao desenhar
Então inicia um rabisco daqui, um árvore daqui e um sol acolá
- Assim tá bom!
Diz, como quem gosta do que vê!
E daí surgem as primeiras personagens, com cabelos em carcóis
Desenha a si e a mãe ao lado!
- Eu gosto de me ver junto da mamãe!
Um sorriso nas duas no desenho! Um sorriso brota, os olhos brilham!

Aí depois vem o azul do céu, o verde da grama! Ah, sim, uma árvore como testemunha!
Ela mais uma vez sorri. O silêncio ao redor é contrastado com o barulho da alegria interior.
Você não faz ideia do universo dentro daquela cabecinha! Ela está eufórica.

- O que mais pode colocar aqui? Pensa ela.
- Talvez umas flores, uma graminha!
Sente-se feliz com sua obra! Pensa no momento que vai mostrar para a mãe.
Sorri mais uma vez ao pensar no sorriso de sua mãe ao receber seu desenho.

Suspira e sorri de novo!
- Acho que ela vai gostar! Diz, agora em voz alta.
O colorido, as cores, o verde da graminha...

Quando cada traço era um criar de criança!
Aí se lembra de um detalhe:
- Um sorriso aqui nele! Diz.
Tasca um sorriso no Sol, pois o sol de toda criança é feliz!

Fim.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Do cuidar e do responsabilizar

É saboroso o gosto de sentir-se especial, diria o sincero. Sim, o sincero, como personagem sem dissimulações de conveniência, diria que a comiseração é o melhor dos sentimentos para si, embora em relação ao outro.

Sim, traz paz sentir piedade. Nos coloca num local acima do outro, como se ter à nossa frente o sofrimento fosse uma oportunidade de revanche às torturas que a vida nos proporciona.

Sejamos sinceros: como é difícil nos colocar no mesmo patamar do outro, num exercício constante de "humildação". A empatia é o exercício mais complicado de se praticar. Dar um passo em direção ao outro, despindo nossos supostos saberes e fazendo o nosso interlocutor ter a consciência de que estamos todos no mesmo patamar, é o começo necessário para o início de uma boa caminhada.

A partir daí, andando junto e descalço, se anda atrás, deixando-o ir à frente, com sua experiência própria. Já pensou o quão chato é você contar o que vai ser encontrado logo à frente? O segredo talvez seja o de ver o brilho dos olhos do outro ao descobrir pela primeira vez o que vimos antes, mas a experiência deles, apesar de refletir em nós e até nos lembrar da nossa, é única e é deles.

A partir daí, após deixarmos de lado a comiseração, a pressa de querer guiar à frente, só assim estamos aptos ao verdadeiro cuidado, o de deixar o outro responsabilizar-se pela criança finalmente encontrada dentro de si.

domingo, 14 de junho de 2015

A Matrix de nossos dias

Deparo-me de repente com uma entrevista de um pesquisador da NASA sobre o fato de que, possivelmente, estejamos sendo manipulados por humanóides que operam e manipulam nossas vidas num futuro ainda distante, a exemplo da trilogia Matrix, dos irmãos Wachowski. 

Começo a pensar aqui com meus botões o quanto esse lance de criar realidades é uma constante em nossa sociedade, sendo algo não tão moldado numa futurologia, mas mais ainda, em algo mais sensorial como sentimentos atuais de medo, inveja, terror, humilhação e os outros tantos que aprendemos desde a infância a sentir, soterrar ou expressar, sendo que esta última opção como uma das grandes dificuldades na atualidade. 

Uma grande Matrix atual a qual enxergo é a do poder. Essa criação de um universo paralelo em torno desse status atingido por alguns poucos humanos e algumas corporações, sendo a questão do poder não ligada à pulsão de vida, mas no acúmulo de coisas e a possibilidade da manipulação alheia, chega a me causar admiração. Veja-se o caso do tal "Mercado", pego ainda mais pormenorizadamente o recorte do HSBC, banco suíço que fez uma trajetória pautada em enorme esquema de corrupção internacional. Este é um bom exemplo para analisar uma vertente de mundo paralelo criado com base no poder financeiro, que tem manipulado até a chance de expressão ou mesmo algum repúdio público. 

Os seus CEOs (palavra tão em voga utilizada nos dias de hoje para designar os competentes operadores do poder) vêm a público declarar, sem nenhum constrangimento que irão remanejar operações e otimizar em escala global, vendendo o controle de suas unidades, em especial na Turquia e no Brasil. Simples assim, um discurso informativo, quase que um inocente papo num chá das cinco da tarde. E tudo bem, nenhum questionamento mais aprofundado por parte da sociedade, nenhum tipo de indignação ou cobrança de uma ação mais ostensiva na qual o banco pudesse ser punido internacionalmente por seus mal feitos. 

Em resumo, estamos diante de uma verdadeira Matrix, na qual uma realidade é criada por quem está na base de cima da pirâmide mundial (sim a pirâmide ainda existe, embora mais complexa e com algumas nuances de horizontalidade em alguns segmentos, mas o poder em si ainda tem o desenho da pirâmide, onde alguns poucos estão no topo dela). Há um apoio em cadeia por quem é alimentado por esse poder, aí cabem atores que vão desde os operadores de bolsas internacionais, operadores das justiças de todo o mundo, a imprensa que, cada vez mais confusa sobre seus próprios rumos teme na crítica a estes sistemas de poder com o perigo de não poder mais angariar recursos para manter seu status na sociedade. 

Por meio de toda essa cadeia de interesses, faz-se uma Matrix onde um sujeito que lidera uma instituição fraudulenta, venha a público e nos diga "está tudo bem, vamos apenas mudar nossa operação". E aceita-se "de boa", sem um pingo de questionamento. 

Ao pensar nessas Matrix de poder, transportando-as para o nosso país, veja que temos várias delas operando realidades de poder e manipulação a todo momento. Penso também o como é incrível a semelhança na falta de questionamento social e midiático sobre essas Matrix existentes. Aqui, enxergo estes mundos paralelos operando de forma ainda mais arcaica no sentido de que lida com os medos e anseios da população manipulada por esses sujeitos que estão na parte de cima. E é pelo fato destes operadores da Matrix brasileira serem tão infantilizados através de seus medos e sua "outrofobia", é que enxergo o quanto ainda teremos de lidar com os absurdos de algumas discussões atuais como a questão da redução da maioridade penal, o real entendimento do estado laico no Brasil, a "condominização" da classe média-alta nacional que quer criar espaços ainda mais delimitados de convivência com o outro (se possível que o outro apenas o sirva e no momento seguinte aperte-se um botão e este outro passe a não existir). 

São questão que coloco para uma discussão futura, uma vez que penso que iremos inexoravelmente caminhar para a horizontalidade das relações e será cada vez mais difícil esse distanciamento e a manutenção de todas essas Matrixes, elas serão uma a uma questionadas e invadidas pelos milhões que estão indo para a forca todos os dias para a manutenção desse status atual. 

domingo, 3 de maio de 2015

Sobre os sonhos e as nossas guerras

Aos poucos e na prática, vou descobrindo que os sonhos nos servem também para mandar mensagens, não muito claras, é verdade, mas que ao sabermos interpretá-los, a resolução deles bate direto no sentimento que a gente tem dentro da gente, ao contrário de muita coisa racional que a gente ouve dos outros ou vive dizendo pra nós mesmos.

Nos últimos tempos, os conteúdos de meus sonhos têm sido fundamentais para eu entender todo o processo que tenho vivido recentemente de auto-descoberta. Um deles em especial, mostrou-me o quanto de força e tamanha importância que eu dava às coisas num passado não tão distante. O efeito de ter dado tamanha importância a determinados fatos ou impressões que tive no passado, traduziu-se psíquica e corporalmente em mim.

Foi como um grande esforço para suportar coisas "gigantes", estas mesmas que,vendo hoje, não passam de moinhos de vento. Claro que só se tem essa impressão agora de que não passavam de moinhos de vento, ao invés de gigantes, como na história de Cervantes. Mas me pus a pensar o quanto me construí para enfrentar gigantes, tanto no corpo quanto na mente. Uma energia tão alta a ponto de estar prestes a implodir, uma vez que seria aterrador colocar para fora essa energia acumulada com a repressão da cultura que sofremos.

Dom Quixote se fez franzino, frágil e louco em seus delírios. Eu, ao contrário, quis me fazer cada vez mais forte, espesso e combativo, indo para uma mesma loucura, mais autodestrutiva que de alguém que cinde, como o caso do cavaleiro andante. Quis ser um guerreiro a me provar capaz de derrotar gigantes diariamente. Dei importância a quem não tinha, tornando gigantes as formigas e outros seres por vezes insignificantes no meu caminho.

Pois nesta noite, tive um sonho que veio e bateu nesse meu sentimento de querer guerra, me mostrando que eu estava a enfrentar apenas moinhos de vento.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Quem tem medo?


O medo acaba mesmo por prender as pessoas e virou um importante aliado dos manipuladores e cada vez com mais força. Bicho acuado morde, não é verdade? Como na sociedade atual, embora não pareça, ou mesmo pareça surreal, acaba que o mais forte, ou o portador de mais condições, é o que tem mais medo. Digo isso pois, diferente dos animais de uma forma geral, quando os mais fortes são os mais livres, pois se garantem em sua força e poder, os homens com mais poder são os que possuem mais medo. 

O poder e a força, que são garantias de liberdade e liderança natural dentro da cadeia animal, no mundo humano acaba como neurose a tentar ser explicada, uma vez que torna estes homens possuidores destas virtudes, verdadeiros borra botas de primeira ocasião. 

Digo tudo isso, pelo fato notório da parcela da sociedade que detém estes dois pontos fundamentais dentro da cadeia de sobrevivência, cercarem-se de muros, grades e muita segurança. É bestial, caso pararmos para pensar fria e organicamente, que se trata de uma força reprimida entre muros, grades e carros blindados. Chega a ser surreal este medo que, de tão surreal, se transforma em passeata verde e amarela, mas toda protegida, claro. 

Não que seja uma ode aos despossuídos, mas instalou-se uma doença na alma de difícil identificação no extrato mais abastado da população mundial. Identificado por alguns filósofos e estudiosos que vêm estudando e debatendo acerca desses temas mais recentemente. 

O efeito disso é ainda mais absurdo, como um faz de contas às avessas, onde os pobres e despossuídos, por viverem sem os cercos protetores dos muros, criaram uma couraça de vida capaz de adaptar-se às situações que só os animais mais sofisticados possuem, quando tentamos pegar exemplos na natureza, acabam por ser menos neuróticos, por viverem uma realidade não inventada. A falta da proteção, se assim podemos dizer, acaba por gerar uma fé maior na vida, sem muitos remédios, uma vez que remediado está - vamos em frente enfrentar mais essa, diria o despossuído já acostumado ao mundo selvagem que está à sua espera. 

Temos hoje um mundo em que uma pequena parcela da população muito bem abastada e protegida, porém com o seu medo/neurose que o trancafia e o torna um ser humano menor, por não buscar oportunidades fora de suas zonas de conforto, indo de experiências de vida, cultura, afeto e outras coisas que o dinheiro não paga (graças aos deuses). Enquanto isso, a população que não tem o direito de se dar ao luxo de ter medo, já que este sentimento tornou-se literalmente objeto de luxo, segue vivendo sua liberdade, mas muito bem vigiada e regulada pelos sujeitos atrás dos muros que eles mesmos fizeram para se trancar. É mesmo aterrador!